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02 outubro 2014

Criacionismo x Evolucionismo - um olhar hermenêutico

[O] discurso científico da modernidade nasceu como um discurso contradogmático, na medida em que ele pôs em questão todos os argumentos fundados na autoridade do falante ou da tradição. Contra a descrição tradicional do mundo, os primeiros cientistas propuseram uma nova imagem para o mundo, que não mais se submetia à autoridade tradicional.

A batalha paradigmática dessa luta foi a travada entre Galileu e a Igreja Católica, quando Galileu não foi condenado por causa da veracidade de suas proposições sobre o mundo, mas pela subversividade da inversão epistemológica que ele propunha com relação à própria teologia. No confronto entre a interpretação científica e a interpretação teológica, Galileu propôs que as provas empíricas fossem usadas como justificativa para que a Bíblia fosse interpretada de maneira alegórica, com relação ao ponto em que um profeta mandou que o sol parasse o seu curso em torno da terra. Como os sábios bíblicos já haviam assentado que não se tratava de uma simples alegoria, a sugestão de Galileu soava herética, pois a demonstração científica não pode valer mais que a autoridade das palavras bíblicas.

E reverberações dessa mesma luta até hoje são sentidas na oposição contemporânea dos criacionistas contra as idéias evolucionistas inspiradas em Darwin. Em ambos os casos, não se trata propriamente de um debate acerca da Verdade, mas acerca da Autoridade de certos pressupostos dogmáticos. E nem a Ciência nem a Religião parecem dispostas a abrir mão do seu espaço de discursos privilegiados sobre o mundo.

De um lado ou de outro, o que se apresenta não é uma tentativa de harmonização, mas uma pretensão de hegemonia. Essa busca de hegemonia, essa presença concreta do poder dentro do discurso do saber, ela aponta para uma curiosa afinidade: tanto o discurso dogmático quanto o científico, não podem falar de si mesmos, pois eles não podem tematizar os próprios pressupostos. Mas a linguagem aqui é enganadora: um olhar externo enxerga na base desses discursos uma série de pressupostos implícitos e explícitos. Porém, onde o olhar externo enxerga pressupostos, o olhar interno enxerga as verdades evidentes da ciência e valores inquestionáveis da tradição.

Mas o que é a evidência racional, senão a afirmação de uma inquestionabilidade? Essas verdades evidentes, justamente por serem evidentes, dispensam qualquer justificação. Afinal de contas, a evidência é sempre o critério último da verdade científica, aquele ponto além do qual a racionalidade não pode ir. Assim, a inquestionabilidade é o critério último de toda dogmática, assim como de toda ciência, pois ambos são discursos lineares fundados da inquestionabilidade dos pontos de partida.


Para além da evidência e da fé, somente há o silêncio, na medida em que ela não pode ser justificada argumentativamente, mas apenas afirmada. Dessa maneira, tanto a ciência quanto a dogmática se constituem a partir de um silêncio acerca de suas próprias bases, e esse silêncio tem a forma de uma afirmação pela inquestionabilidade. Tais discursos, portanto, constituem olhares voltados para o mundo, mas nunca para si mesmos, e assim permaneceram durante muitos séculos.


Fonte: COSTA, Alexandre Araújo. Direito e Método: diálogos entre a hermenêutica filosófica e a hermenêutica jurídica [Tese de doutorado]. Brasília: Universidade de Brasília – UnB; 2008. pp. 46/47

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