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07 maio 2011

As Ondas Renovatórias do Direito Processual

Em um movimento com o propósito de implementação dos direitos sociais, Mauro Cappelletti e Bryant Garth, apresentam a ideia das ondas renovatórias do direito processual, no livro intitulado Acesso à Justiça, de 1978.

As ideias propostas são pontos que precisam ser melhorados, são óbices que devem ser superados, que necessitam ser modificados, para assim, se ter, com efeito, acesso à justiça, ou seja, “acesso à ordem jurídica justa”[1].

A primeira onda é a do acesso dos pobres, na acepção jurídica, ou hipossuficiente economicamente à justiça. Inegavelmente o processo tornou-se um instrumento muito caro, “[...]seja pela necessidade de antecipar custas ao Estado (os preparos), seja pelos honorários advocatícios, seja pelo custo às vezes bastante elevado das perícias”.[2]  

 Dessa forma, deve-se entender que acesso à justiça inclui, não só acesso ao judiciário, de forma gratuita, mas também ao advogado, ou seja, uma efetiva assistência judiciária gratuita.

No Brasil, a lei 1.060/1950, no art. 4º, em consonância com o art. 5º, inc. LXXIV, da Constituição Federal, concede Assistência Judiciária, quando a parte não puder pagar as custas processuais e os honorários dos advogados, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.

A assistência pode ser requerida com a simples afirmação na petição inicia, conforme art. 4º, “mediante simples afirmação, na própria petição inicial”, entretanto, a jurisprudência vem requerendo uma declaração de próprio punho de pobreza, o que nega vigência à Lei Federal n. 1060/1950, como também ofende a Constituição Federal, que garante aos hipossuficientes assistência judiciária gratuita, art. 5º, inciso LXXIV.

Por fim, conforme parágrafo 1º, art.4º, da citada lei, “presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição dos termos desta lei[...]” há de certificar, dessa forma que se trata de presunção juris tantum, em outras palavras, que aceita prova em contrário. Outro ponto importante é que o art. 4º, §1º, da mesma lei, condena ao pagamento de até o décuplo caso a afirmação da condição seja inverídica. A lei ainda prescreve que não se exime o pagamento, só o suspende, conforme se subtrai do art. 12.

A respeito de acesso ao advogado, no Brasil, foram implementadas diversas tentativas de solução. Todavia, nenhuma delas parece ter resolvido a questão.

Primeiro, tentaram implantar a defensoria pública, que por razão da onerosidade, foi a falência, na maioria dos Estados.

A Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) fez um mapeamento da Defensoria Pública no Brasil, apontando que a “falta de investimento, falta de estrutura, número insuficiente de servidores de apoio, número insuficiente de defensores, evasão de defensores para outras carreiras jurídicas” [3], são algumas das principais dificuldades.  

Depois, tentou-se, e ainda tenta-se, a nomeação de advogados privados. Entretanto muitos recusam, posto que a falta de pagamento ou a demora em efetivá-los, por parte do Estado, inviabiliza o trabalho.

Os advogados designados para o desempenho do encargo ficam obrigados ao respectivo cumprimento, sob pena de multa, exceto pelos motivos para recusar, dispostos no art. 15, da citada lei:

§ 1º - estar impedido de exercer a advocacia.

§ 2º - ser procurador constituído pela parte contrária ou ter com ela relações profissionais de interesse atual;

§ 3º - ter necessidade de se ausentar da sede do juízo para atender a outro mandato anteriormente outorgado ou para defender interesses próprios inadiáveis;

§ 4º - já haver manifestado por escrito sua opinião contrária ao direito que o necessitado pretende pleitear;

§ 5º - haver dada à parte contrária parecer escrito sobre a contenda.



Em alguns Estados, a Assistência Jurídica, fica a cargo dos escritórios de aplicação jurídica das universidades, que é plenamente legal, conforme o art. 18, da referida lei. No entanto, essa alternativa não pode ser aplicada nas cidades que não possuem universidades.

Após estas diversas tentativas de promover o acesso de todos à ampla defesa e ao contraditório de forma concreta – princípios constitucionais, foi promulgada a Lei 9099/1995, a Lei dos Juizados Especiais.

Esta Lei cria os juizados para causas que não ultrapassem o valor de 40 (quarenta) salários mínimos, sendo que, nas ações de até 20 (vinte) salários mínimos, é dispensável o auxilio de advogado, salvo em grau de recurso, oportunidade que é necessário um advogado, consoante art. 38, §2ª, da referida lei, que dispõe: “no recurso, as partes serão obrigatoriamente representadas por advogado”.

A principal controvérsia desta iniciativa está possibilidade uma das partes poder contratar um advogado e se beneficiar da inocência daquele sem patrono.

A segunda onda renovatória, trata-se dos direitos coletivos. O Código de Defesa do Consumidor no art. 81, dispõe sobre três espécies de direitos e interesses coletivos: os difusos (coletivo em sentido amplo), os coletivos (coletivo em sentido estrito) e os individuais homogêneos.

Direito difusos são os direitos que afetam um número indeterminável de indivíduos, ligados por circunstância de fato, como por exemplo, o direito ao meio ambiente equilibrado, direito do consumidor, entre outros.

Direito coletivos em sentido estrito são os transindividuais que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica, por exemplo, os trabalhadores de um determinado banco, de uma empresa, etc.

Direito individuais homogêneos são os decorrentes de origem comum, por exemplo, as vítimas de um acidente.

Nessa segunda onda renovatória, há três grandes aspectos polêmicos: a legitimidade ativa, a litispendência e a coisa julgada.

O Código de Processo Civil, no art. 6º, dispõe que: "ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei". Mas não se pode negar que existem direitos metaindividuais, supraindividuais, que não pertence a uma única pessoa, “isto é, que vão além dos indivíduos, dizendo respeito, simultaneamente, a um maior número de pessoa”[4], os quais, até por uma questão de economia processual, devem ser tutelados em blocos.

 Sendo que em alguns casos, não se sabe nem quem é a parte legítima para pleitear, assim, a legitimação para pleitear tais direitos por uma entidade específica representa uma maior efetivação dos interesses e direitos coletivos. Pensando nisso o legislador brasileiro prescreve que tem legitimidade ativa para pleitear direitos coletivos os entes estatuídos no art. 5º da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), e também os entes prescritos no art. 82 da Lei 8078/1990 CDC.

Em primeiro lugar, é importante destacar que, conforme Hugo Nigro Mazzilli, a legitimidade ativa nas ações de direito coletivos é concorrente e disjuntiva, ou seja, todos os entes citados podem propor a ação, e disjuntiva porque não há, nesse caso, a litispendência[5].

A respeito da legitimidade ativa, ainda há a controvérsia sobre a titularidade, se ela é ordinária, extraordinária ou autônoma.

Na primeira estaria o ente litigando direito próprio em nome próprio. Na segunda o ente estaria litigando por direito alheio, em nome próprio e na última seria uma espécie mista, na qual o ente estaria litigando em nome próprio direito próprio e alheio.

A doutrina, na grande maioria, defende que a legitimidade das pessoas e entes dispostos nos arts. 82 da Lei 8.078/90 e 5º da Lei 7.347/85 é autônoma, pois defendem interesses metaindividuais (indivisíveis), cuja necessidade de individualizar ou identificar os titulares do direito pleiteado é totalmente descartada.

No entanto, para o eminente Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Rizzatto Nunes, se o que se pleiteia é a defesa de interesses difusos e coletivos, a legitimação é autônoma. Contudo, no caso de defesa de direitos individuais homogêneos, a legitimação é extraordinária.

Na prática, a tutela será diferente conforme se considerar, pois quando se está litigando por direito alheio não se pode transacionar, conciliar ou renunciar ao direito.

O segundo ponto conflitante é a respeito da litispendência. Conforme o art. 301, §3º, do CPC, “há litispendência quando se repete ação, que está em curso”. Segundo a melhor doutrina, a repetição se dá quando: as partes, o pedido e a causa de pedir, são idênticas. Assim, “havendo uma ação coletiva e outra individual — mesmo que aparentemente semelhantes — ter-se-ia pedidos diversos, causas de pedir distintas e partes também diferentes, não havendo que se falar em litispendência”[6]. Ainda, conforme mencionado, não há que se falar em litispendência, posto que a legitimação é concorrente e disjuntiva, conforme Hugo Nigro Mazzilli[7].

Outro aspecto polêmico está no efeito da coisa julgada. Conforme o art. 467 do CPC, designa-se “coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.

Conforme Moacyr Amaral Santos, “não é a coisa julgada efeito da sentença, mas a sua própria eficácia, ou aptidão para produzir os efeitos que lhes são próprios e que a torna imutável, quando não mais sujeita a qualquer recurso, mesmo extraordinário”[8]. Portanto, coisa julgada, resumidamente, significa que a matéria não poderá ser discutida novamente, é uma qualidade, que a sentença obtém após transitar em julgado, com isso torna-se imutável.

O efeito tradicional da coisa julgada dá-se intra partes, ou seja, apenas entre aqueles que participaram do processo, conforme art. 497, do CPC, “A sentença faz coisa julgada às partes[...]”.

No entanto, o efeito da coisa julgada para os direitos coletivos deve ser diferente, uma vez que se está litigando direitos de indivíduos, que, efetivamente, não estão como partes nos autos. Por conseguinte, o efeito da coisa julgada, para direitos coletivos, no Brasil, foi “alargado”, ou seja, os limites subjetivos foram estendidos.

Assim estatuiu o legislador no art. 103, do CDC, que a sentença, referente à direito difuso, fará coisa julgada erga omnes; a referente à direitos coletivos, em sentido estrito, fará coisa julgada ultra partes, limitadamente ao grupo, categoria ou classe, e que, a sentença referente à direito individuas homogêneos fará coisa julgada erga omnes, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores.

A terceira onda renovatória proposta por Cappelletti e Garth é de aplicação de mecanismos de alternativos para solução de conflitos. As dificuldades de solução de conflitos, demora, custos, excesso de formalidades, vem conduzindo “os processualistas modernos a excogitar novos meios para solução de conflitos”[9].  Os autores propõem os meios extraprocessuais e processuais.

São meios extraprocessuais a arbitragem, a mediação e a conciliação, entre outros. Estes meios procuram “desafogar” o judiciário.

Arbitragem é uma alternativa legal ao Poder Judiciário estatal. Sendo que, as partes, por livre e espontânea vontade, compõem que abdicam a compor eventuais litígios, decorrente de contrato, perante o poder judiciário, e se comprometem a resolver a questão por meio do Juízo Arbitral.

Conforme Tânia Lobo Muniz, o instituto da arbitragem possuiu duas características principais: “acordo de vontades das partes e o poder de julgar que recebem os árbitros, subtraindo o julgamento estatal”[10].    

Essa alternativa é prevista pela lei 9.307/1996, popularmente “lei Marco Maciel, que dispõe sobre a arbitragem. O escopo das partes quando recorrem à arbitragem é a promessa de celeridade e a possível melhor resolução da lide, uma vez que o árbitro pode ser um especialista na matéria discutida, não necessariamente em direito.

A sentença arbitral não admite recurso, e tem eficácia de uma sentença judicial normal, sem necessidade de homologação pelo Poder Judiciário, conforme art. 18. Entretanto só se pode recorrer à arbitragem “[...]para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º).

A mediação trata-se de uma composição negocial, que as partes chegam com o auxílio de um terceiro, que deve ser neutro. A mediação tem o intuito de facilitar a comunicação e permitir uma composição, e não, como acontece na arbitragem, impor às partes uma solução ou sentença. Dessa forma, o mediador somente viabiliza a comunicação, ele não participa da composição.

A conciliação é “um meio alternativo de resolução de conflitos em que as partes confiam a uma terceira pessoa (neutra), o conciliador, a função de aproximá-las e orientá-las na construção de um acordo”[11]. O conciliador, juntamente com as partes, buscará a transação, submissão ou renúcia[12], assim, chegar a um acordo, interagindo e sugestionando resoluções.

A conciliação é judicial quando o conflito já está ajuizado, nestes casos, o próprio juiz do processo, atua como conciliador (art. 125, inc. IV, CPC) ou um conciliador treinado e nomeado.   

Os processuais são meios atípicos de solução, ou seja, meios não previstos em lei. Trata-se da prerrogativa que tem o magistrado de resolver problemas por meios não especificados na lei, e assim, dessa forma, encontrar ferramentas adequadas para uma melhor resolução do conflito.

Exemplos na legislação brasileira são os art. 461, § 5º, do CPC, que dispõe “[...]poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias[...]”, e o art. 798, do CPC, que prescreve “[...]poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas[...]”, , esses dispositivos trazem, ao magistrado, certa liberdade para solucionar impasses jurídicos.

As ondas renovatórias apontadas, antes de tudo, são meios de se ter acesso efetivo a justiça, de forma rápida, econômica e eficaz, no Estado Democrático de Direito. São meios de adequar o processo as exigências modernas, tentando superar a concepção individualista do processo. Em síntese, o efetivo acesso à justiça se dará mediante a melhoria dos seguintes aspectos, “garantia de adequada representação dos pobres; a tutela dos interesses difusos ou coletivos; e fórmulas para simplificar os procedimentos”.[13]



Referências





ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS. Mapeamento da ANADEP aponta principais problemas que impedem o crescimento da Defensoria Pública no Brasil. Disponível em: http://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=6123



BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: direito processual coletivo e direito processual público. Vol 2, tomo III. São Paulo: Saraiva, 2010



CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.



MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.



MILLER, Cristiano Simão. A coisa julgada e a litispendência nas ações coletivas. Disponível em: http://www.milleradvocacia.com.br/artigos/art_006.pdf



MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. 1ª Ed. 2ª tiragem. Curitiba: Juruá, 2003.



RIBEIRO, Antônio de Pádua. As novas tendências do Direito Processual Civil. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/revista/numero10/artigo10.html



SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. III. 24ª Ed. Atual. Por Maria Beatriz Amaral Santos Köhnen.  São Paulo: Saraiva, 2010.



TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ. O que é conciliação?. Disponível em: http://portal.tjpr.jus.br/web/conciliacao



[1] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 40

[2] ibid. p. 32

[3] ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS. Mapeamento da ANADEP aponta principais problemas que impedem o crescimento da Defensoria Pública no Brasil. Disponível em: http://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=6123
[4] BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: direito processual coletivo e direito processual público. Vol 2, tomo III. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 197

[5] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 251.

[6] MILLER, Cristiano Simão. A coisa julgada e a litispendência nas ações coletivas. Disponível em: http://www.milleradvocacia.com.br/artigos/art_006.pdf acessado em: 07/05/2011

[7] Op. cit.

[8] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. III. 24ª Ed. Atual. Por Maria Beatriz Amaral Santos Köhnen.  São Paulo: Saraiva, 2010. p. 56.

[9] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 32

[10] MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. 1ª Ed. 2ª tiragem. Curitiba: Juruá, 2003. p. 19.

[11] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ. O que é conciliação?. Disponível em: http://portal.tjpr.jus.br/web/conciliacao

[12] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 34

[13] RIBEIRO,  Antônio de Pádua. As novas tendências do Direito Processual Civil. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/revista/numero10/artigo10.html

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