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04 novembro 2011

A UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR

No corrente ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) colocou em discussão a interpretação legitimadora do art. 1.723 do Código Civil (Lei n. 10.406, de 10.1.2002), o núcleo da questão era examinar se haveria guarida constitucional para dar uma interpretação conforme à Constituição ao art. 1.723 do Código Civil, permitindo que se declarasse a sua incidência também sobre a união de pessoas do mesmo sexo, de natureza pública, contínua e duradoura, formada com o objetivo de constituir família.
O insinuando artigo dispõe que:

“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.


O que foi enfatizado no julgamento é que a união entre pessoas do mesmo sexo haveria de ser respeitada e assegurada pelo Estado, com base na norma para a qual se estava cogitando a interpretação conforme à Constituição, uma vez que ao definir a união estável entre homem e mulher e excluir outras opções contrariar-se-ia preceitos constitucionais fundamentais, como os princípios da liberdade, da intimidade, da igualdade e da proibição de discriminação.
Assim, seria obrigatório o reconhecimento, no Brasil, da legitimidade da união entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher. Acarretando, dessa forma, os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis héteroafetivas aos companheiros nas uniões homoafetivas
Partindo desse prisma, o STF reconheceu, por unanimidade, a união estável de casais do mesmo sexo, na sessão que julgou conjuntamente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, propostas, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.
A decisão, em consonância com a Constituição Federal (CF), foi embasada numa interpretação da constituição e na aplicação dos princípios da igualdade, da liberdade e da dignidade, sendo, portanto, uma conquista de acesso aos direitos fundamentais.
Como aponta a Ministra Cármen Lúcia, no seu voto, o “sistema que é a Constituição haverá de ser interpretada como um conjunto harmônico de normas, no qual se põe uma finalidade voltada à concretização de valores nela adotados como princípios.”
A Ministra asseverou ainda que, embora o art. 226, parágrafo 3º, CF, faça referência expressa a homem e mulher e garanta a eles o reconhecimento da união estável como entidade familiar, isso não significa que ”se não for um homem e uma mulher, a união não possa vir a ser também fonte de iguais direitos”. Conforme a Ministra este direito decorre dos princípios constitucionais que são de todos, qualquer que seja a orientação sexual, todos “têm os seus direitos fundamentais à liberdade, a ser tratado com igualdade em sua humanidade, ao respeito, à intimidade devidamente garantidos”.
Sendo ainda a discriminação repudiada no sistema constitucional vigente, como asseverou, no seu voto, o Ministro Celso de Mello, "é arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, exclua, discrimine ou fomente a intolerância, estimule o desrespeito e a desigualdade e as pessoas em razão de sua orientação sexual."
De forma derradeira afiançou o Ministro Ricardo Lewandowski, no seu voto, que entende que:

"as uniões de pessoas do mesmo sexo que se projetam no tempo e ostentam a marca da publicidade, na medida em que constituem um dado da realidade fenomênica e, de resto, não são proibidas pelo ordenamento jurídico, devem ser reconhecidas pelo Direito, pois, como já diziam os jurisconsultos romanos, ex facto oritur jus."

Tal entendimento vai ao encontro do posicionamento do Ministro Joaquim Barbosa, que infere em seu voto que “estamos diante de uma situação que demonstra claramente o descompasso entre o mundo dos fatos e o universo do direito". A partir dessa constatação vê-se a necessidade de repensar o direito no Brasil.
George Marmelstein, Juiz Federal e Professor de Direito Constitucional, numa interpretação sublime do art. 225, paragrafo 3º, CF, afirma que:

“no caso das uniões estáveis, o constituinte disse apenas que as uniões estáveis entre o homem e a mulher terão o tratamento ‘Z’, mas silenciou em relação ao tratamento que seria dado às uniões estáveis homoafetivas. Os constituintes deveriam, se quisessem discriminar, ter dito: ‘as uniões estáveis entre homem e mulher terão o tratamento ‘Z’, e as uniões homoafetivas não terão o mesmo tratamento’. Ou então poderiam ter dito o seguinte: ‘apenas as uniões entre o homem e mulher terão o tratamento ‘Z’’, ou ainda, ‘o tratamento ‘Z’ será dado exclusivamente às uniões estáveis entre homem e mulher’. Como nada disso foi dito, prevalece o princípio geral de não-discriminação, ou seja, o tratamento não pode ser diferenciado, pois qualquer tipo de discriminação teria que ser expressa.”[1]

O que confirma o julgamento favorável a união homoafetiva, pois, em síntese, o que é necessário verificar é se há um dever de igualdade, considerando a presença de tal dever e a ausência de norma expressa prevendo a discriminação, qualquer tratamento diferenciado presume-se ilegítimo, sendo, dessa forma, inaceitável, pois fere os direitos fundamentais.



[1] MARMELSTEIN, George. Jurisprudência Arco-Íris: comentários à decisão do Supremo Tribunal Federal acerca das uniões homoafetivas. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/56183523/arcoiris-versao-completa Acesso em: 02 nov. 2011


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