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26 outubro 2011

Análise do caso da (im)penhorabilidade do bem de família do fiador

Análise do caso da (im)penhorabilidade do bem de família do fiador feita por George Marmelstein - Juiz Federal e Professor de Direito Constitucional.




"[...]merece ser feita uma breve análise do caso da (im)penhorabilidade do bem de família do fiador, um julgamento do STF que se baseou essencialmente na análise econômica do direito.
Por força da Lei 8.009/90, o imóvel residencial do casal ou da entidade familiar (bem de família) passou a ser considerado impenhorável. Ocorre que a Lei 8.245, de 18.10.91, acrescentou o inciso VII à Lei 8.009/90, para ressalvar a penhora “por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”. Em razão disso, o imóvel residencial daquele que assumiu o encargo de fiador tornou-se passível de penhora.
Em um primeiro momento, no STF entendeu que seria inconstitucional a referida lei, por violar o artigo 6º da Constituição que reconhece o direito à moradia como um direito fundamental (art. 6º).
Eis a ementa: “CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA: IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE. Lei nº 8.009/90, arts. 1º e 3º. Lei 8.245, de 1991, que acrescentou o inciso VII, ao art. 3º, ressalvando a penhora “por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”: sua não-recepção pelo art. 6º, C.F., com a redação da EC 26/2000. Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Recurso extraordinário conhecido e provido” (STF, RE 352490, rel. Min. Carlos Velloso, j. 25 de abril de 2005).
Contudo, menos de um ano depois, o STF modificou seu posicionamento, passando a entender que seria possível a penhora do único imóvel de uma pessoa que assuma a condição de fiador em contrato de aluguel. Na ementa, ficou assentado que “a penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do artigo 3º, inc. VII, da Lei 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República.
O argumento central apresentado no voto do Min. Cezar Peluso, que foi o grande artífice da virada jurisprudencial no caso da penhora do bem de família do fiador, foi de índole econômica. A lógica foi a seguinte: não aceitar a penhora do bem de família do fiador tornará o contrato de aluguel menos atrativo para os proprietários de imóveis. Logo, o contrato se tornará mais caro. O contrato mais caro irá impedir ou dificultar o acesso à moradia para muitas pessoas menos abastadas. Portanto, ao invés de prejudicar o direito à habitação, a norma que autoriza a penhora do bem de família do fiador, na verdade, possibilita que mais pessoas tenham acesso à moradia, por um preço menor. Em outras palavras, 'a norma, abrindo a exceção à inexpropriabilidade do bem de família, é uma das modalidades de conformação do direito de moradia por via normativa, porque permite que uma grande classe de pessoas tenha acesso à locação'.
Particularmente, não concordo com a conclusão do STF, embora reconheça que o argumento econômico foi bem interessante. Na minha visão, a solução poderia ser outra tanto com base na teoria dos direitos fundamentais quanto na própria análise econômica da questão.
Do ponto de vista da teoria dos direitos fundamentais, parece-me que o direito à moradia é um valor mais importante do que o cumprimento do contrato, no caso específico, até porque a obrigação principal foi assumida por terceiro. Além disso, aparentemente, houve violação da isonomia, na medida em que aquele que contraiu a obrigação principal (o inquilino) não poderá perder um eventual imóvel que tenha e o fiador sim.
Mas o importante é o argumento econômico. A idéia levantada pelo Min. Peluso foi a de que a restrição ao direito à moradia do fiador (autorização da penhora do seu bem de família) daria maior garantia aos proprietários de imóveis, reduzindo os custos de inadimplência e, conseqüentemente, baratearia o valor do aluguel, permitindo que mais pessoas pudessem alugar o imóvel. Ou seja, no final das contas, o direito à moradia estaria sendo prestigiado.
Faltou, contudo, demonstrar o acerto do raciocínio com dados mais consistentes. Não há, nos argumentos apresentados, qualquer estudo mais profundo demonstrando que aceitar a penhora do bem de família do fiador irá diminuir o preço das locações ou que não aceitar essa penhora acarretará uma diminuição da oferta de moradias para locação.
Do mesmo modo que o Ministro Peluso estabeleceu uma lógica econômica em favor da sua tese, também é possível, com a mesma lógica (ou seja, sem base empírica), chegar a solução completamente oposta. Vejamos, pois, a questão sob a ótica do fiador para demonstrar que a penhora do bem de família do fiador poderá prejudicar o mercador imobiliário para pessoas de baixa renda.
A partir do momento em que uma pessoa sabe que, assumindo o encargo de fiador, poderá perder seu bem de família, certamente ele pensará duas vezes antes de assinar o contrato. Ou seja, menos pessoas aceitarão ser fiadores de contratos de locação e, conseqüentemente, será mais difícil conseguir alugar um imóvel. É preciso reconhecer que ninguém ganha dinheiro sendo fiador. O encargo é, muitas vezes, resultado de uma relação de confiança e não algo que trará alguma vantagem financeira ao fiador.
Desse modo, como o fiador poderá perder seu imóvel se o inquilino não cumprir com suas obrigações, poucas pessoas aceitarão esse encargo. Logo, os proprietários terão que aceitar alugar seu bem mesmo sem a assinatura de um fiador e, conseqüentemente, terão menos garantias de que o contrato será cumprido. Com menos garantias, os custos de locação aumentarão e, conseqüentemente, o preço de aluguel também irá subir, fazendo com que menos pessoas consigam ter a capacidade econômica para firmar o contrato de inquilinato.
Portanto, até mesmo sob a ótica econômica, a possibilidade de penhora do bem de família do fiador não se justifica. Observe que não tenho qualquer estudo sério capaz de comprovar minha análise econômica da questão, como também o STF não apresentou nada nesse sentido."


O texto completo: http://direitosfundamentais.net/2007/12/14/analise-economica-dos-direitos-fundamentais/?blogsub=confirming#subscribe-blog

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